Ana Cristina Sousa |
Professora Auxiliar da Faculdade de Letras do Porto, Departamento de Ciências e Técnicas do Património - área científica de História da Arte. Licenciada em História (Var. Arte) pela FLUP (1992), Mestre em História da Arte (1997) e Doutora em História da Arte Portuguesa (2010) pela Faculdade de Letras do Porto, com uma tese subordinada ao estudo dos metais nos séculos XV-XVI, tema de investigação que continua a desenvolver. Investigadora do CITCEM (Centro de Investigação Transdisciplinar "Cultura, Espaço e Memória") da FLUP, está integrada no grupo de trabalho "Memória, Património e Construção de Identidades", sendo igualmente membro da Unidade de Investigação GOVCOPP – Governança, Competitividade e Políticas Públicas da Universidade de Aveiro, Linha de Investigação Território, Desenvolvimento e Atratividade Turística. É autora de publicações relacionadas com o estudo das artes dos metais (técnicas e formas), ourivesaria medieval e moderna e iconografia religiosa. Reúne também publicações no âmbito da informação turística tendo sido autora de manuais escolares de História para o ensino secundário.
Áreas de interesse: História da Arte Portuguesa, Cultura Visual, Iconografia, Arte dos Metais e Artes Aplicadas. |
esquecidas as imagens que falam. leitura iconográfica do túmulo de
|
Alvo de uma recente intervenção de conservação e restauro, o túmulo de D. Afonso de Portugal resulta de um palimpsesto de elementos marcados pelo devir do tempo. Falecido na cidade de Braga com apenas dez anos de idade, o tão “desejado” príncipe herdeiro seria sepultado na arquidiocese do reino no fatídico ano de 1400. Desconhecendo-se por completo as características da primitiva sepultura que recebeu o jovem infante, várias são as fontes históricas que ligam o atual monumento a uma primeira dádiva da sua irmã, D. Isabel de Portugal, casada com Filipe III da Borgonha, e um acrescento em 1527, a cargo do arcebispo D. Diogo de Sousa. No primeiro caso, a obra, teria sido realizada na Flandres e enviada para Portugal; no segundo, executada no território português. Trata-se de um conjunto funerário constituído por arca tumular e baldaquino, com alma de madeira e inteiramente revestido com folhas de latão douradas e prateadas em algumas partes. A obra é reveladora de uma prática artística ao tempo muito em voga na Flandres e hoje de grande interesse patrimonial pela sua qualidade artística e raridade, tendo sido várias vezes e justamente considerada “única no mundo”. As fontes fornecem-nos informações muito parcas sobre os elementos decorativos que cobrem as placas dos faciais do túmulo. A mais detalhada é a que nos deixou D. Rodrigo da Cunha, no primeiro quartel do século XVII, descrevendo uma “obra semeada de hu bosque aberto a meyo releuo, onde os ramos, & folhajës fazë curiosas, & vistosas laçarias.” Quanto ao baldaquino quinhentista, ricamente lavrado de folhagem, é simplesmente descrito, no Inventário de 1589, como de “obra romana dourada”, complexa expressão sintética bem ao gosto do tempo. A intricada composição das placas dos faciais, cujos motivos se distribuem repetidamente nas margens de uma árvore cujo significado merece igualmente reflexão, não logrou a melhor atenção daqueles que nos deixaram registos sobre a obra: animais selvagens ou fantásticos, naturais ou híbridos enfrentam-se em espelho ou com a emblemática figura do homem selvagem, força viva da natureza, protagonista de romances medievais, figura tão ao gosto do imaginário das elites sociais do período tardo-medieval. O destaque que este quimérico mundo recebeu nos faciais do túmulo de D. Afonso proporciona ricas reflexões entre imagem e contexto, entre tempo e espaço, permitindo igualmente aclarar uma complexa rede de motivos que aqui lograram conquistar o “centro”. |