Maria de Lurdes Craveiro |
Maria de Lurdes Craveiro é Prof. Auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Doutorada em História da Arte pela FLUC (2002) e docente, desde 1988, no Instituto de História da Arte desta Faculdade, é, atualmente, coordenadora do 3º Ciclo em História da Arte. Desempenhou funções de Técnica Superior no Museu Nacional de Machado de Castro em Coimbra (1985-1988).
É a investigadora principal do “Grupo de Estudos multidisciplinares em Arte” (GEMA), integrado em Julho de 2007 no Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto, agora designado como Centro em Arqueologia, Artes e Ciências do Património, Unidade de I&D-281, da Fundação da Ciência e Tecnologia. Em colaboração com vários organismos tem tido uma acção destacada na defesa, conservação e divulgação do património arquitectónico. Salientam-se, em Coimbra, o colégio da Trindade, o mosteiro de Santa Clara-a-Velha, o Pátio da Inquisição, o mosteiro medieval de S. Domingos, o mosteiro de Santa Cruz, a Sé Velha ou a Sé Nova ou, ainda, o mosteiro de Grijó e a igreja de S. Julião da Figueira da Foz. A mais de meia centena de trabalhos científicos publicados em Portugal, Espanha, Bélgica e Brasil abrange o exercício de revisão conceptual em História da Arte, as questões patrimoniais ou os domínios da pintura, da escultura e da arquitectura desde os finais da Idade Média ao período neoclássico. |
o nártex na arquitectura portuguesa da contra reforma - entre centralidade e liminaridade |
A projeção do nártex na arquitetura cristã constitui um emblema de afirmação marcante desde o período paleocristão. Com uma utilização a ritmos diferenciados ao longo do tempo, é aos modelos da Igreja triunfante a partir do século IV que o nártex vai buscar a sua fonte de inspiração e a força de uma comunicação de poder e supremacia sobre o território cultural e religioso onde se implanta. Jogando na dualidade entre acolhimento e reserva, o nártex é também um espaço de integração e rejeição. Era, num primeiro momento, destinado aos catecúmenos, os que ainda não tinham acesso ao espaço sacralizado por excelência e onde o cerimonial do batismo tem tão grande importância. Ao longo do tempo assumir-se-á como espaço fulcral no contexto processional e, com o especial empenho da Ordem de Cluny e a revitalização do culto aos mortos, como elo fundamental de uma cadeia profícua de energia que movimenta a devoção. Se a designada “Baixa Idade Média” dele parece prescindir, sobrevalorizando a leitura vertical da fachada “gótica” na compreensão do compêndio ilustrativo das imagens (em escultura avulsa e de relevo) que a preenchem, é a cultura humanista que aposta na reintegração dos modelos do Cristianismo primitivo e os leva a uma expressão que, cada vez mais, se pretende sem mediação. O primeiro caso explícito desta adesão em Portugal encontra-se na igreja de S. Francisco de Évora, exemplo que haveria de frutificar na “transgressão” ao modelo da fachada jesuítica do Espírito Santo. Mais do que o Humanismo, é a Contra Reforma que vai organizar a utilização sistemática do nártex, quer através da ação reformadora das casas de Santa Teresa de Ávila, quer através de um conjunto numerosíssimo de igrejas e capelas disseminadas por todo o país, em contexto urbano ou rural, entre a segunda metade do século XVI e a primeira do século seguinte. Mas seria o Cardeal D. Henrique, figura capital nos destinos políticos, culturais e religiosos do país até 1580, o grande responsável pela implementação destes circuitos criativos que, aparentemente de forma paradoxal, convocam o nártex (e outras ferramentas espaciais) à centralidade de um discurso sempre apologético e ao encontro das fórmulas da devotio moderna e da capitalização do Antigo. Dilui-se, assim, a fronteira fictícia e historiograficamente fabricada entre Humanismo e Contra Reforma. Os objetivos desta comunicação passam pela discussão do significado e da validade do nártex num período que, só ingenuamente, se pode classificar com autonomia discursiva e preso aos valores centrais de uma Igreja que se pronuncia a uma só voz. O nártex, espaço de fronteira e núcleo mobilizador de reconhecimentos ativos, seria um dos instrumentos poderosos da Igreja da Contra Reforma. |