Ricardo Seiça Salgado |
Ricardo Seiça Salgado é antropólogo e performer de formação. Investigador integrado no CRIA- UM, realiza um pós-doutoramento como bolseiro da FCT. Recentemente explora a contaminação entre a etnografia e as metodologias teatrais numa perspetiva de ensaiar ferramentas novas para colocar ao serviço de investigações-ação. A sua área de intervenção é a antropologia, a política, as artes performativas e a educação. Doutorado em Antropologia (2012) no IUL-ISCTE, na área de educação, faz uso das lentes dos estudos de performance (visiting scholar na Tisch School of Arts, NYU, 2009). É autor de vários textos para conferências, revistas especializadas, exposições, edições fotográficas, performances teatrais. Deu aulas na ESTAL e é cofundador do grupo de investigadores baldio | estudos de performance, onde organiza e faz curadoria de eventos. Como performer tem formação avançada em várias metodologias (método de suzuki, viewpoints, actor-studio, commedia dell’Arte, clown) e trabalhou com vários encenadores em variadas produções. É diretor artístico do projecto BUH! onde realiza as suas performances interdisciplinares e fez um documentário intitulado Estado de Excepção. CITAC: projecto etnohistórico (1956-1978).
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marginalidade descentrada como resistência criativa |
O argumento de que a margem é exclusivamente o espaço da subalternidade merece alguma desconfiança. A marginalidade vista à luz da oposição entre o controlo pelo poder e a luta contra- hegemónica motiva a ideia de que o marginal não existe para além de uma luta que é produzida pela dominação. Também o é, na medida em que a resistência nunca está numa posição de exterioridade em relação ao poder, e vice-versa (M. Foucault), uma vez que as formas de dominação são imaginadas, elaboradas e justificadas num esforço de submeter os outros a essa vontade, e que ela sempre encontrará alguma resistência. Argumenta-se, contudo, que a marginalidade é mais do que um lugar de privação, é um lugar com abertura para a possibilidade radical (Bell Hooks), para a produção de discursos contra- hegemónicos que, enquanto espaço de resistência, se podem encontrar nos hábitos de ser e nos modos de vida. É uma marginalidade onde há a capacidade de forjar espaços criativos que têm de ser produzidos, reclamados e conquistados, mas que se distingue da marginalidade imposta pela estrutura opressiva. Trata-se, antes, de uma marginalidade que não encontra correspondência com o centro, que não quer ser absorvida por ele. Ela está e mantém-se fiel à margem per se. Ela alimenta a capacidade de resistir, recusando, porém, uma conceção monolítica de resistência. Ela oferece uma possibilidade de perspetiva radical a partir da qual se cria, vive, e imaginam novos mundos alternativos, em que a própria estrutura da dominação existente pode não ter a capacidade de absorver esse fluxo de novos elementos, uma marginalidade que escapa à lógica do poder. A marginalidade que se propõe é uma marginalidade positiva (encarando como negativa a que se traduz na subalternidade) e descentrada, por não ser definida por referência a um centro. Para além das margens que o poder controla, ele deixa de dominar, deixa de ter possibilidade de controlo. Saindo da lógica do poder e habitando na marginalidade descentrada, aniquila-se o centro. É uma marginalidade como poder fora do poder e que, ainda assim, comunica significados resistentes e dá esperança para a possibilidade da emancipação sociocultural acontecer. Daremos alguns exemplos desta resistência criativa, na arte e na vida, na história da arte e do quotidiano, nomeadamente a partir de alguns espetáculos teatrais estudados numa etnografia realizada ao grupo de teatro universitário, o CITAC. |